O Caráter

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O caráter foi dado a você pela sociedade, na família, na escola, na universidade, na religião, para que se tornasse um ser previsível e bem comportado, obediente e produtivo para o mercado. O seu caráter formou uma crosta endurecida sobre a sua essência pura, inocente e criativa, e você se tornou tão previsível que não é mais necessário vigiá-lo. É por isso que a sociedade valoriza tanto o caráter. Com ele você se tornou um adulto sério e perdeu a espontaneidade inocente da alma, que era o seu potencial criativo para ser desenvolvido, passando a ser apenas um executor de programas estabelecidos.

O seu caráter é como o prefácio do livro da sua vida. Ele já prevê tudo na primeira página, e assim deixa de ser interessante ler a sua história completa porque não vai apresentar nenhuma surpresa. Pra que ler o livro todo então? Pra que perder tempo com a sua história, com a sua vida, se ela deixou de ser interessante porque se tornou previsível demais? E nós gostamos de surpresas!

Todo o caráter é ajustado conforme as expectativas morais da sociedade. Ele só faz bem à sociedade como um organismo acéfalo e nivelado pela média, onde qualquer indivíduo que esteja acima da média será expulso, desqualificado ou bajulado até ser corrompido. A nossa sociedade é um sistema organizado para manter o ser humano não como um indivíduo, mas como um ser coletivo formatado pelo caráter e a mente coletiva, e isso evita que ele desenvolva seu próprio senso crítico e ético.

E qual é a moral da sociedade?  – É a lei do mercado.

E a lei do mercado é a coisa mais hipócrita e injusta que existe sobre a face da terra. Através dela o ser humano, enquadrado pelo caráter que a sociedade lhe deu, justifica as suas ações predadoras. É justo punir alguém que está em dificuldade, sem trabalho? É justo explorar preços abusivos em momentos de carência? Pois esta é a lei e a moral do mercado, da sociedade. É assim que a sociedade funciona. Se isso for justo, então se justifica você ter um caráter e seguir a moral da sociedade e não precisa ser ético.

Moral é lei; ética é consciência. A moral impõe, obriga, permite, pune. A ética surge da autorreflexão individual a partir de questionamentos sobre os efeitos e responsabilidades pelas atitudes e ações. Justifica-se a manutenção de uma sociedade moralista e não ética, por ser a sua finalidade principal explorar uns aos outros para obter o lucro e a riqueza acima de qualquer consequência. Pela moral do mercado os fins justificam os meios. Ou seja, punir aquele que está em dificuldade em vez de ajudá-lo e explorar em tempos de carência é justo porque esta é a lei do mercado. Se você aceita isso, então seja um “bom caráter” para esta sociedade. Mas se a sua consciência fica perturbada com isso pense se vale a pena “vender a alma” por uma vida bem sucedida financeiramente, embora os lucros sejam seus e os prejuízos de todos. O caráter moralista do mercado, da sociedade justifica acumular riquezas e compartilhar misérias a custa de danos ao meio ambiente e ao ser humano destruindo a sua alma e adoecendo seu corpo? Aliás, as doenças são também criações altamente lucrativas da nossa sociedade de caráter moralista. A maior parte das doenças é criada pelas desarmonias geradas pelos conflitos de consciência. Elas não existem como substância primária da natureza divina.

Faça da sua vida uma história que valha a pena ser lida até o fim e que sirva de exemplo para muitos. Seja totalmente sem caráter, imprevisível, leve e criativo, que assim os outros irão se interessar pela sua história até o fim e nunca se cansarão de você, pois você será sempre divertido e inspirador – surpreendente!  Apesar de a sociedade ser um organismo coletivo e hipócrita, dentro dela existem indivíduos interessantes. Nunca escreva prefácios para a sua vida. Deixe que cada capítulo da sua vida revele um pouco da sua essência em cada momento surpreendente que você vive e se expressa. Seja uma vida aberta, apenas uma vida, uma consciência em constante movimento de expansão, sem obedecer a regras de comportamentos e condicionamentos previamente estabelecidos pelo caráter que a sociedade lhe deu. Seja totalmente amoral, nem moral nem imoral, apenas amoral, porque só assim se tornará ético. E a ética é a consciência de si e de suas responsabilidades sem depender de sistemas moralistas reguladores.

Pense nisso.

Luìz Trevizani – 26/04/2014