É importante destacar que este artigo não tem a intenção de ser um estudo científico ou psicológico, nem pretende abordar de forma exaustiva ou definitiva o tema proposto para esta fase da jornada. Seu propósito é servir como um guia para orientar os estudos e reflexões durante o encontro ao vivo desta estação da jornada online.
O tempo é a marca da vida que sentimos passar na memória. Cada um sente a vida e conta sua história da maneira que lhe assevera o espírito, produzindo em si os reflexos da ânsia de viver em conexão com o divino. A conexão perdida, no entanto, desperta o medo profundo na alma, um medo desconhecido, de causa não identificada, que atormenta a consciência sem que se saiba o motivo. Contudo, a paz pode ser alcançada por meio da meditação, que nada mais é do que centrar-se em si e restabelecer a conexão perdida.
Ao estabelecermos o juízo em nossos atos, qualificando nossas atitudes e delas extraindo o melhor de nossos dons e talentos, certamente alcançaríamos as condições ideais para a paz e o progresso da humanidade. Olhar para nós com mais profundidade; contemplar o mundo com novas perspectivas; enxergar a vida como um mistério que se revela, enquanto somos espectadores privilegiados nessa imensidão de possibilidades da natureza em suas diversas formas e manifestações. E, assim, podemos nos tornar coadjuvantes ativos na criação de um mundo melhor.
Por um caminho ou por outro, nossas escolhas determinam como será o futuro de nós mesmos, da humanidade como um todo e do mundo que herdamos para gerir e nele criar aquilo que desejamos de melhor para nós e para todos. Nossas escolhas, determinantes para o nosso destino, são feitas tomando como referência aquilo que já agregamos na alma como valores de honestidade, ética e sabedoria – ou o contrário. No entanto, nada acontece que não seja justo, de acordo com a lei de causa e efeito. Tudo nos pertence, e, ao mesmo tempo, somos apenas concessionários temporários dos bens que amealhamos na vida, exceto aqueles que se transformam em valores atemporais e nos acompanham na transcendência da morte.
Pelos Caminhos do Tarô
Na Estação 21 da Jornada de Autoconhecimento pelos Caminhos do Tarô, prosseguimos com os estudos e reflexões sobre os Arcanos Maiores, interpretados como um roteiro para a regeneração da consciência, que se encontra decaída e aprisionada na matéria. Nesta etapa, abordamos o Arcano 20, tradicionalmente representado como “O Julgamento”, que simboliza o juízo que fazemos sobre nossos pensamentos, atitudes e comportamentos, bem como o julgamento ao qual nos submetemos perante as Leis Universais. Na fase anterior, que representa o trabalho efetivo de regeneração da consciência ao longo da jornada, desenvolvemos nossos estudos, reflexões e atividades sobre os seguintes Arcanos: A Força Interior (11), A Resignação (12), A Imortalidade (13), A Integração (14), A Paixão (15), A Desilusão (16), A Esperança (17), O Crepúsculo (18) e A Completude (19). Agora, estamos diante do tribunal da consciência e o segundo Testamento no Arcano 20.
O Juízo e o Testamento
O Arcano 20 é tradicionalmente denominado “O Julgamento”. Em nossos estudos e reflexões Pelos Caminhos do Tarô, optamos por nomeá-lo “O Juízo”. Ele simboliza o senso justo da consciência e o tribunal diante do qual nos apresentamos: com a alma limpa e o coração leve como a pena do avestruz, na simbologia de Maat, ou com o coração tomado pelo peso dos apegos às coisas do mundo. O bem e o mal se unem, e então compreendemos que ambos são etapas do caminho do buscador. É preciso dominar o mal e não usar mal o bem, se quisermos ter paz diante do tribunal da consciência.
A verdade se revela aos que buscam. No entanto, essa revelação não ocorre na forma de um conhecimento recebido intelectualmente; é um despertar da própria consciência que acontece no momento oportuno. A verdade não está escrita nos anais da história; ela está gravada na consciência de cada ser humano e só precisa de espaço para se manifestar.
Se já estamos prontos para enfrentar o julgamento, nada mais temos a temer. Se desejamos nos tornar merecedores do Mundo, devemos estar preparados para a grande tarefa que nos foi confiada pelo Criador de Tudo. É necessário encarar a eternidade da vida em suas alternâncias entre nascimentos e mortes. Esta é a prova derradeira diante do compromisso assumido no tribunal da consciência: ou a encaramos com fé, coragem e determinação, ou não seremos dignos de atravessar o portal do reino. O encontro com a passagem do umbral é a prova final de que o espírito está em paz.
Diante do Juízo
Diante do juízo, reflitamos internamente as palavras de Mirdad, o misterioso Clandestino, que chega em nosso templo sagrado no qual cultuamos nossas crenças, dogmas e um deus “eu”, para provocar uma renovação de atitudes.
Eis as suas palavras:
Deixai as coisas como elas são e não vos esforceis para modificá-las, porque elas parecem ser o que parecem devido a parecerdes ser o que pareceis. Vosso eu nada mais é que vossa consciência de ser, silente e incorpórea, verbalizada e corporificada. Basta que penseis eu, e um mar de pensamentos se agitará em vossa cabeça. Esse mar é uma criação de vosso eu, que é, ao mesmo tempo, o pensador e o pensamento. Basta que sintais eu para dar vazão a um poço de sentimentos no coração. Esse poço é uma criação de vosso eu, que é, ao mesmo tempo, aquilo que sente e aquilo que é sentido. Pelo mero pronunciar eu, trazeis à vida uma poderosa hoste de palavras, cada qual símbolo de uma coisa; cada coisa, símbolo de um mundo; cada mundo, parte de um universo. Esse universo é a criação de vosso eu, que é, ao mesmo tempo, o criador e a criatura. O eu é uma fonte da qual tudo flui e à qual tudo reflui. (Do Livro de Mirdad, Mikhail Naimy – Ed. Pentagrama)
Discernir ou Julgar
Para discernir, é preciso ter uma base sólida formada por inteligência, razão, ética, justiça e sabedoria, em doses proporcionais ao fato e ao próprio indivíduo. O discernimento é, em suma, o exercício da inteligência associada à razão, por meio do qual extraímos uma compreensão justa dos fatos; trata-se, em grande parte, de um processo intuitivo e subjetivo.
Julgar exige um pouco mais: isenção diante do fato, da pessoa ou do que quer que se julgue. No julgamento, é necessário ter discernimento também. Um julgamento sem base ética e sem discernimento sustentado por conteúdo intelectual raramente é justo. Como dizia Platão, é melhor a ignorância absoluta do que o conhecimento em mãos inadequadas. O conhecimento exige uma base moral e ética que salvaguarde seu uso. Contudo, todo julgamento se baseia em algum código, lei, regra, regulamento ou na moral vigente. O julgamento, em geral, é objetivo, embora também possua um componente subjetivo.
Às vezes, somos severos demais conosco em nossos julgamentos, e isso se transfere para os outros da mesma forma. Outras vezes, somos complacentes demais conosco, mas mantemos a severidade para com os outros. E, ainda, quando se trata de julgar nossas atitudes e comportamentos, além da complacência exagerada, encontramos maneiras de nos justificar, transferindo culpa ou responsabilidade para fora, para os outros. É necessário ter complacência e autocompaixão, sim, mas no sentido de compreendermos que ainda somos imperfeitos e que erramos porque nossas percepções internas são frágeis e incipientes, e os códigos morais nos quais baseamos nossos julgamentos são falhos. Alcançaremos o senso puro de justiça somente quando tivermos desenvolvido o senso ético, que representa o ápice da moral. Ou seja, seremos capazes de agir com justiça quando nos tornarmos indivíduos cuja consciência atingiu um grau de compreensão tal que já não depende mais de moral, leis ou códigos externos para se manter justa. Ser ético é agir corretamente de acordo com a verdade suprema, sem depender de um vigilante externo, pois a própria consciência se torna o vigilante.
A consciência é a grande observadora, a vigilante atenta de nossas atitudes e comportamentos. Podemos esconder nossos atos dos outros, mas nunca de nossa própria consciência. Podemos nos justificar e até mesmo abafar a voz da consciência por um tempo, mas, em algum momento, ela nos trará inquietação, não importa quão distante esse momento possa estar.
O Arcano 20 não trata do julgamento feito pela justiça arbitral dos tribunais. Ele nos remete ao juízo da consciência sobre nossos atos diante das leis universais e nos adverte que, um dia – não importa se agora ou na hora da morte –, haveremos de nos defrontar com o julgamento do que fizemos de bem e de mal. Esse julgamento é implacável: não haverá juiz que possa ser corrompido, nem justificativas aceitas fora da Lei e da Verdade.
Quanto Pesa o Teu Coração?
Um dos maiores males do ser humano é o esquecimento. De nada adianta amealharmos muitas instruções e formarmos um grande e complexo sistema de conhecimento intelectual se, ao chegar o momento da morte, por medo, esquecemos tudo o que nos foi ensinado sobre o processo que devemos enfrentar. O momento da partida, ou morte, exige de nós plena consciência de como vivemos, a fim de que a passagem seja feita com lucidez e sem culpa. A morte é a transição que a vida nos prepara, em conformidade com o modo como vivemos. A hora da morte é também o momento do juízo de nossos atos em vida, e isso se reflete na consciência como paz e confiança ou como culpa e medo. A morte é uma ressurreição na imortalidade, uma passagem estreita e solitária pela qual passamos sozinhos, assim como ocorreu no nascimento. Essa passagem é antecedida por um momento de reflexão, um julgamento da consciência sobre os atos praticados em vida. Enfrentá-la de maneira inconsciente, como ocorre com a maioria que não se prepara devidamente, é como estar diante do tribunal de Maat com o coração mais pesado que a pena do avestruz, em sua simbologia mística.
Leveza de coração significa consciência limpa de culpa e medo, e isso se alcança por meio do bem, da ética, da justiça, da compaixão e do amor. Quando o ser humano vive segundo esses preceitos e desenvolve suas melhores virtudes, com amor e sabedoria, alcança o mérito da paz em seu juízo, tanto interior quanto diante do julgamento da passagem para a outra dimensão da vida. Ai de nós, que conquistamos o mundo e estamos a caminho de conquistar o espaço, se perdermos a nós mesmos!